Diante do cenário preocupante, com queda de 40% nos preços de produção do leite, gestores buscam alternativas para driblar crise que pode extinguir a cadeia produtiva no estado

Lideranças e representantes do setor leiteiro estiveram na Famurs, na segunda-feira (13/11), para debater alternativas para crise dos produtores gaúchos. Prefeitos, secretários, vereadores, deputados, produtores e entidades representativas do agronegócio estiveram reunidos para discutir soluções à falta de competitividade da produção local e as consequências dessa crise na cadeia produtiva do leite para a economia gaúcha.

Para o presidente da Famurs e prefeito de Campo, Luciano Orsi, o cenário é extremamente preocupante, tendo em vista que impacta mais de 440 municípios gaúchos. “De um custo de produção com valor aceitável de R$ 2,50 o litro, o produtor está recebendo apenas R$ 1,50. É uma defasagem de 40% para manter a atividade. E as medidas já feitas, pela nossa avaliação, foram pequenas frente ao déficit”, enfatizou. 

Em sua fala, o presidente Orsi ainda destacou que a Famurs promoveu o encontro justamente por entender que o problema na cadeia produtiva do leite afeta diversos setores, como a permanência das pessoas no campo, a circulação da economia local e na geração de emprego e renda. Para isso, ele avaliou, que é preciso viabilizar a permanecia do produtor e manutenção da atividade, trabalhando na construção emergencial de alternativas, tanto estadual quanto federal. “Estamos sentindo que o folego dos nossos produtores está terminando. Podemos perder uma cadeia produtiva muito importante e histórica para o nosso estado”, alertou. 

Representando o governador Eduardo Leite, o secretário de Desenvolvimento Rural do RS, Ronaldo Santini, destacou o abandono da produção leiteira, mesmo sendo a garantia de renda de muitas propriedades. Desejou que encontro resulte em encaminhamentos efetivos para socorrer a cadeia produtiva do leite. 

Presente na abertura, o secretário das Comissões e assessor da Presidência da Farsul, Rodrigo Rizzo, destacou que a Federação está atenta à situação do leite há tempos e que estão trabalhando em dois temas: a retirada do leite do RS e a falta de valor de referência do leite, dois pontos que considera fundamentais para se ter um futuro melhor na produção leiteira. 

Em sua manifestação,  vice-presidente da Fetag, Eugênio Zanetti, enfatizou que diversas reuniões e manifestações desde março foram realizadas pela entidade, tanto no RS quanto em Brasília, alertando sobre a situação do leite que viria a se agravar. Destacou que a Fetag não é contra o acordo da Mercosul, mas que é necessário a revisão da entrada de lácteos, especialmente do Uruguai e da Argentina. 

Por fim, o presidente do Sistema Ocergs, Darci Hartmann, destacou que este foi o pior ano de atividade leiteira dos últimos 20 anos e que é preciso um trabalho conjunto, de parceria, para encontrar soluções efetivas e que promovam o desenvolvimento da cadeia produtiva gaúcha. 

Números da produção leiteira

O consultor tributário da Famurs, Milton Mattana, apresentou dados do impacto da cadeia produtiva no RS. Atualmente, o RS registra 448 municípios com venda de leite a empresas. Em 2022, foram contabilizadas 333 mil famílias produtoras e mais de 3 milhões de litros produzidos no RS. Na época, o preço médio do litro era de R$ 2,49. Este ano, o preço médio está em R$ 1,50. Segundo Mattana, a perda do valor adicionado é R$ 283 milhões. 

O consultor tributário também explicou que o governo federal publicou um decreto para estimular a produção do leite no Brasil, mas que não deve atender a real necessidade dos municípios. A medida, publicada em 18 de outubro, altera a aplicação de créditos presumidos do Programa Mais Leite Saudável, mas só passa a valer a partir de fevereiro de 2024.

Figura representativa da defesa da produção leiteira gaúcha, a vice-prefeita de Santo Cristo, Loreci Finger Riewe, afirmou que os “municípios não podem ficar aquém de suas necessidades; precisamos de ajuda, de socorro, afinal muitos produtores fizeram investimentos”. Segundo a vice-prefeita, durante a Caravana Federativa, realizada em outubro em Porto Alegre, foram apresentados decretos e ofícios ao governo federal que mostram a baixa consecutiva na produção leiteira do município, considerado o maior produtor de leite no RS. As perdas estão estimadas em R$ 8 milhões por mês e 65 milhões de litros por ano. 

Conforme o produtor Cleiton Giovani Engel, presidente da Comissão de Crise da Proução de Santo Cristo, em ano, o município perdeu 105 produtores de leite. Para ele, a prioridade está em coibir a entrada de leite no estado. Ele ainda pediu ao secretário Santini a fiscalização do leite importando, em virtude da validade do produto e baixo preço de compra. “Está quebrando a nossa produção, tivemos queda de 40% nas vendas no comércio local. Se nada for feito de efetivo, vamos extinguir a produção de leite e condenar o consumidor apagar R$ 25 no quilo do leite em pó, em um futuro muito próximo”, alertou.

Presente no encontro, o deputado federal Alceu Moreira manifestou que é preciso indicar um nível máximo para importação, para não quebrar o produtor local. O deputado federal Pompeo de Mattos também se manifestou a favor dos produtores e afirmou que é preciso apertar o governo brasileiro para subsidiar efetivamente o produtor, a fim de não matar a cadeia produtiva do leite. Pompeo ainda sugeriu de a bancada gaúcha produzir um ofício, nos moldes da bancada mineira, na busca de uma saída imediata junto ao governo federal.

Representando a Assembleia Legistiva do RS, o deputado estadual Edivilson Brum participou do encontro e manifestou que é preciso fazer uma pressão nos governos visando a proteção dos produtores, que a AL está atenta no tema e que precisamos aproveitar a ajuda exitosa dos deputados federais neste momento. 

Atuação do governo do Estado

Durante o enontro, o secretário Ronaldo Santini apresentou alguns projetos e ações do governo do Estado, através da SDR, para a Bacia Leiteira do RS, cujo objetivo é fomentar à cadeia produtiva do leite, aumento e eficiência da produção, redução de custos e estímulo à comercialização e consumo. 

Um dos pontos apresentados, no eixo emergencial, foi o projeto de apoio aos produtores de leite que tiveram perdas nos eventos climáticos de setembro, publicado no Diário Oficial nesta segunda-feira. Serão destinados R$ 2,3 milhões, para execução imediata de 150 projetos, sendo até R$ 15 mil por produtor. A iniciativa visa operacionalizar financiamento subsidiado para reestruturação da atividade e restabelecer os níveis produtivos das unidades familiares afetadas. O financiamento será por meio do Fundo Estadual de Apoio ao Desenvolvimento dos Pequenos Estabelecimentos Rurais (Feaper). 

No eixo da comercialização, a SDR está articulando com órgãos do estado para a aquisição de leite da agricultura familiar e trabalhado no fomento à agroindustrialização. Na parte de consumo, está em construção uma campanha de incentivo ao consumo do leite e derivados, além de um trabalho voltado para desmistificar informações falsas sobre o consumo e qualidade do leite gaúcho. Além disso, conforme Santini, a SRD está articulando com o governo federal a alteração da lei sobre reservação de água em Área de Proteção Permanente (APPs) para a produção agrícola. 

Proposições 

Durante o encontro, as lideranças presentes fizeram suas manifestações e apresentaram alternativas para solucionar a crise dos produtores de leite gaúchos. Entre os encaminhamentos, a formalização de uma carta, assinada pela Famurs, Fetag, Farsul e Ocergs com as sugestões debatidas ao longo da tarde. Foram elencadas como reivindicações: 

  1. Aumento de ações de vigilância sanitária em relação ao leite importado, com ações de fiscalização nos produtores do leite in natura na Argentina e Uruguai; 
  2. Criação de um preço mínimo que atenda o custo da produção e subsídio para atendimento deste por litro de leite produzido pago diretamente na conta do produtor por meio da Nota Fiscal – criação de sistema específico para aplicação do programa;
  3. Rastreabilidade do leite importado; 
  4. Imposição do selo de identificação de produto importado - visível ao consumidor;
  5. Redução de imposto dos insumos necessários à produção;
  6. Análise mais criteriosa do leite que chega no Brasil;
  7. Aquisição pela Conab de leite de proveniente da agricultura familiar e de empresas/cooperativas que não importam;
  8. Fomento ao aumento do uso de leite e derivados na merenda escolar e em outras compras governamentais através do PAA e PNAE;
  9. Campanha publicitária de estímulo ao consumo de leite indicando os benefícios de seu consumo;
  10. Anistia de 50% das dívidas do produtor de leite;
  11. Aplicação do artigo primeiro do Regime Geral de Origem – Anexo II do Tratado de Assunção – “a) Os produtos elaborados integralmente no território de qualquer um deles, quando em sua elaboração forem utilizados exclusivamente materiais originários dos Estados Partes” –, impondo assim restrições ou quotas de importação rígidas.

 O documento também irá destacar a função social da atividade leiteira para os municípios, bem como seu fator multiplicador na economia local, regional e estadual. “Em números, a aplicação de investimento em forma de subsídio ao produtor representará apenas 3% do que é despendido pelo governo federal com o programa Bolsa Família. Nós estamos solicitando, por meio desta carta, o socorro ao produtor e a atividade economica que esta cadeia produtiva faz girar”, avaliou o presidente Luciano Orsi. 

Outro encaminhamento foi a formação de uma comissão para tratar do tema com os governos estadual e federal. Além da representação da Famurs, também integram a comissão prefeitos, secretário e vereadores dos municípios de Santo Cristo, Alegrete, Boa Vista do Cadeado, Três Palmeiras, Campina das Missões, Fortaleza dos Valos, Colinas, Nova Bréscia e o produtor Cleiton Giovani Engel.

Durante o encontro, a Famurs ainda conseguiu articular com o governo federal uma agenda com o ministro-chefe da Secretaria de Comunicação Social da Presidência da República, Paulo Pimenta, em data a definir, para discutir a pauta. 

As fotos do encontro estão disponíveis no Flickr da Famurs. Clique aqui e acesse

Informações da notícia

Data de publicação: 16/11/2023

Créditos: Ellen Renner

Créditos das Fotos: Guilherme Pedrotti