Historiador e dirigentes culturais do Vale Germânico se reuniram em São Leopoldo durante a 2ª Missão Municipalista para debater as comemorações do 25 de julho. Historiador alerta para erro histórico e defende a valorização do papel da mulher na história.

Há menos de um ano do bicentenário da imigração alemã, a Famurs promoveu um painel sobre o tema, reunindo historiadores e dirigentes culturais da região do Vale Germânico, como parte da programação da Missão Municipalista realizada em São Leopoldo, berço da colonização no estado, na última sexta-feira, dia 21/06.  A entidade é membro da Comissão Oficial do Bicentenário da Imigração Alemã no RS, instituída pelo governo do Estado, para organizar as comemorações alusivas aos 200 anos da presença germânica no Rio Grande do Sul, que tem início a partir de hoje, 25 de julho. 

O presidente da Famurs e prefeito de Campo Bom, Luciano Orsi, pontua a importância de retomar a história da colonização. “Como representante dos 497 municípios, a Famurs sabe da contribuição de diversas etnias para o desenvolvimento do nosso estado. As celebrações mostram toda uma luta de desbravadores que trabalharam muito para o desenvolvimento do estado, em todos os sentidos. A entidade reconhece e apoia ações que fomentem nossa cultura e costumes que têm fortes raízes nos povos alemães, entre outros, que formaram as nossas comunidades”, destacou. 

A presidente do Conselho dos Dirigentes Municipais de Cultura do Rio Grande do Sul (CODIC), Renata da Silva, destacou os legados culturais que constituem a cultura gaúcha. “Nós somos uma concentração de legados, de usos e costumes de vários povos, e um deles é o germânico”. Renata ressaltou o trabalho de constituição do Vale Germânico, criado como uma região turística no período em que o prefeito de Campo Bom e atual presidente da Famurs, Luciano Orsi, presidia a associação. “Nosso movimento era que o RS enxergasse a potência de sermos o berço da colonização alemã do Brasil, pujança cultural que não é exclusividade da região”, afirmou.

Para o secretário de Cultura e Turismo de Igrejinha e coordenador do CODIC do Vale do Paranhana, Juliano Muller de Oliveira, a programação do bicentenário é uma oportunidade de se olhar para o desenvolvimento, considerando o legado passado, mas vendo a Alemanha como a grande estrutura financeira da economia mundial. “Todo o contexto, o mosaico cultural e histórico, racial que a Alemanha representa deve ser também o norte da programação”, pontuou.

O secretário municipal de Cultura de São Leopoldo, Marcel Frison, defendeu que é preciso aproveitar o bicentenário para ressaltar a história. “Com a chegada dos imigrantes há uma mudança significativa de um lugar que era explorado pela colônia portuguesa e império brasileiro para um lugar que começa a construir seu desenvolvimento pensando no território”, destacou. Frison relatou que será realizado um congresso regional para promover um apanhado histórico, que será referência para o bicentenário. Outro evento programado vai enfocar o futuro da região e os desafios para continuar a ser referência para o desenvolvimento e avançar nos próximos 200 anos. 

O presidente da Comissão Estadual do Bicentenário da Imigração Alemã, Rafael Gessinger, apresentou as subcomissões que estão trabalhando na programação do Bicentenário. Ao pontuar que a promoção dos direitos humanos traz soluções para o desenvolvimento econômico e social de um país, Gessinger relatou as várias convenções internacionais que a Alemanha e o Brasil são signatários, relacionadas à questão da mulher, de raça, das crianças e das pessoas com deficiência. Com essa visão ampla e atual, defendeu que não se pode isolar os festejos do bicentenário dos encontros culturais com todos aqueles que formaram o RS. 

“A migração tem um aspecto de desenvolvimento econômico e demográfico importante, além de humanitário. Nós estamos celebrando a migração histórica, mas com os olhos de quem chega ao RS hoje. Precisamos ter esse olhar lúcido que o migrante é uma riqueza, pela capacidade de se integrar e desenvolver conosco”, pontuou. 


Historiador alerta para erro histórico e defende a valorização do papel da mulher na história da imigração 


O historiador Martin Dreher, que estuda a imigração de 1970, lembrou que a data comemora um projeto do Império do Brasil que se abriu para imigração estrangeira. “Há 200 anos iniciamos um novo capítulo no Brasil, que é a vinda de populações europeias, mas sem esquecer as populações originárias, africanas, açorianas, espanholas e sem esquecer os critãos novos, chamados nos livros de história de degredados, que eram judeus para os quais não haviam mais espaço na Europa”, comentou.

Como historiador, recomendou que a programação considerasse que os imigrantes eram falantes da língua alemã, com ascendência de diversos países europeus. “Todas as orientações somente nessa relação com a República da Alemanha é um erro histórico”, provocou. Lembrou que a primeira leva com 39 imigrantes alemães chegou em 25 de julho de 1824, arregimentados pelo major Georg Anton von Schäffer, era formada por pessoas que estavam presos na cidade de Hamburgo, cuja origem era uma região pertencente ao Reino da Dinamarca, portanto dinamarqueses. O pesquisador listou outras origens daqueles imigrantes: suíços, luxemburgueses, franceses da Alsácia Lorena, huguenotes, austríacos, milaneses do período de capital do Sacro Império Romano Germânico, tiroleses, boêmios, ucranianos, siberianos, eslavos da Polônia e bessarábios. 

Em segundo lugar, orientou que a história não fosse romantizada. “Quem veio para o Brasil eram miseráveis. Agricultores que não tinham mais espaço na Europa porque a mecanização estava começando, e artesãos que estavam sendo substituídos pela produção em série”, comentou. Lembrou que esses agricultores vão introduzir a agricultura de pequena propriedade em um país da monocultura e latifúndio. “Pela primeira vez vamos ter pessoas brancas colocando a mão na terra, o que era atividade de escravo. Assim, há 200 anos, ao lado do negro grosso, vai aparecer a figura do colono grosso, expressão pejorativa que muitos foram contemplados. Também vai surgir uma nova ética de trabalho, o trabalho que dignifica a pessoa humana”, complementou.

O pesquisador comentou ainda a importância de lembrar a contribuição dos imigrantes na Guerra do Paraguai, que formaram a segunda fileira de batalha. De Dois Irmãos, partiram 40 jovens e voltaram apenas quatro. Outro viés é a participação das mulheres. “No Monumento da Imigração em São Leopoldo e em Novo Hamburgo está escrito em memória de nossos pais. Não sei como nós nos multiplicamos aqui sem as mães. Os nomes dos homens são lembrados, eles são nomes de ruas, e as mulheres esquecidas”, lamentou.

O mediador do painel foi o assessor da Área Técnica de Cultura da Famurs, Vinícius Brito. A Comissão foi instituída pelo governador Eduardo Leite, pelo Decreto 56.110, de 24 de setembro de 2021. A programação deve começar no dia 25 de julho deste ano e se estender até 25 de julho de 2024, data do aniversário. A Comissão Oficial tem a finalidade de organizar as comemorações do bicentenário do processo de imigração, de colonização e de contribuição da corrente imigratória de etnia alemã para o Estado.

Informações da notícia

Data de publicação: 25/07/2023

Créditos: Janis Morais

Créditos das Fotos: Guilherme Pedrotti