No total, 16 municípios já foram certificados com o selo MigraCidades da ONU. O governo do Estado enviará nos próximos dias projeto de lei que institui política estadual em articulação com os municípios.

Na data criada para homenagear os que deixam o seu país de origem para buscar melhores oportunidades em outras nações, o Dia do Imigrante, em 25 de junho, a Famurs aborda o cenário dos novos migrantes que chegam ao estado. O RS, que se tornou culturalmente mais diverso com o processo de colonização iniciado no final do século XIX, recebeu cerca de 100 mil migrantes em resposta a acordos migratórios e de residência humanitária nas últimas décadas e busca impulsionar políticas que identifiquem as potencialidades da migração para o desenvolvimento local.  


Segundo estudo do Departamento de Economia e Estatística da Secretaria de Planejamento, Governança e Gestão do governo do Estado, os migrantes que chegam ao solo gaúcho são principalmente uruguaios, haitianos, venezuelanos, argentinos e senegaleses. Mais de 34 mil vieram do Uruguai (36%), 16 mil da Venezuela, 16 mil do Haiti e 6 mil da Argentina. No mesmo período, vieram do outro lado do Atlântico, mais 3,2 mil imigrantes do Senegal. Colômbia, Portugal, Itália, Alemanha e Chile são outros países com percentual maior que aparecem no levantamento.  


A partir desse esforço de traçar o perfil dos migrantes no RS, foi elaborado um ranking dos municípios com mais residentes estrangeiros. Com base em dados da Relação Anual de Informações Sociais (RAIS), que lista os imigrantes já inseridos no mercado formal de trabalho, Porto Alegre aparece como o município que mais acolhe migrantes, seguido dos municípios de Caxias do Sul, Garibaldi, Passo Fundo, Lajeado, Chuí, Canoas, Encantado e Cachoeirinha. Outra fonte de informações utilizada foi o Cadastro Único. Na lista dos municípios com mais imigrantes elegíveis a benefícios da assistência social estão: Porto Alegre, Canoas, Caxias do Sul, Bento Gonçalves, Santana do Livramento, Gravataí, Cachoeirinha, Lajeado e Esteio. 


No ranking do Sismigra, que revela aqueles que entraram com pedido para emissão do Registro Nacional Migratório (RNM) na Polícia Federal, Porto Alegre também lidera, seguida de Canoas, Jaguarão, Chuí, Santana do Livramento, Caxias do Sul, Santa Vitória do Palmar, Aceguá e Passo Fundo. Os dados do Sismigra, Rais e Cadastro Único são de 2018 a 2021.


Melhorar o atendimento de migrantes é uma preocupação mundial, sendo a meta 10.7 dos ODS da ONU. O Brasil também compartilha desse esforço de facilitar a migração e promover a integração de migrantes e refugiados à sociedade. De acordo com a ONU, o migrante é um sujeito de direitos e pode contribuir de maneira importante para o desenvolvimento econômico nos países de destino, pelas suas habilidades e força de vontade ao ingressarem no mercado de trabalho. Por essas razões, as pessoas migrantes são consideradas um ativo humano relevante em nível local, regional e nacional. 


Plano estadual - De acordo com o presidente do Comitê de Atenção a Migrantes, Refugiados, Apátridas e Vítimas de Tráfico de Pessoas (Comirat), Leonardo Goulart, o fluxo de migrantes para o RS tem crescido, e imposto desafios no acolhimento dessas pessoas. “Estamos servindo de pontos de passagem, onde eles vão para outros estados, como SC, por conta das oportunidades. Essas políticas que estamos desenvolvendo e, de fato, implementando visam o reverso, que o RS seja atrativo para essas pessoas se estabelecerem e também que esses profissionais migrantes constituam empregos qualificados, porque em regra eles têm uma boa formação acadêmica”, destacou.


Nesse contexto, desde 2022, está sendo debatida a política estadual para atendimento a migrantes e refugiados. A proposta de lei foi apresentada nesta quarta-feira, dia 21/06, na Assembleia Legislativa, depois enviada à Casa Civil para posteriormente ser apresentada ao Legislativo. O objetivo é promover aos migrantes o acesso aos direitos e liberdades civis, sociais, culturais, políticas e econômicas, considerando as particularidades dos diferentes grupos e a transversalidade. 


Conforme explica, a política ratifica o compromisso do Estado com a pauta da migração e deverá ser implementada em articulação e cooperação com os municípios, viabilizando ações como a criação de conselhos municipais de migração. Também estão em andamento capacitações transnacionais, realizadas nos municípios safristas e de fronteira, com apoio técnico do MPT, PF, PRF, ONU Migração, Agência da ONU para Refugiados (ACNUR), Centro Ítalo-Brasileiro de Assistência e Instrução às Migrações (CIBAI), Secretaria de Desenvolvimento Social e do Trabalho e Ministério do Trabalho e Emprego. A próxima ocorre em Quaraí. 


Com a aprovação da lei, o controle social e avaliação das políticas serão fortalecidos por meio da criação do Conselho Estadual de Migração do Rio Grande do Sul (CEM/RS). O PL também oportuniza um mecanismo de financiamento com a instituição do Fundo Estadual de Acolhimento à População Migrante.  


Políticas locais - Como resultado da parceria entre a agência da ONU para as Migrações (Organização Internacional para as Migrações - OIM) e a UFRGS, com apoio da Escola Nacional de Administração Pública (ENAP), os municípios que promovem a governança migratória, desde 2020, estão sendo certificados com o selo MigraCidades. Desde a primeira edição, 16 municípios já receberam a certificação internacional pelo desenvolvimento de uma política migratória local. São eles: Cachoeirinha, Canoas, Caxias do Sul, Chapada, Esteio, Erechim, Guaporé, Lajeado, Montenegro, Nonoai, Novo Hamburgo, Pelotas, Porto Alegre, São Leopoldo, Sapucaia do Sul e Venâncio Aires


Na origem desse estímulo para a promoção de políticas em diferentes dimensões, está a necessidade de compreender o processo de migração como um fenômeno social e não ser visto como um problema nas comunidades. “Entre as principais demandas identificadas com os gestores que atendem a população migrante está o acesso à regularização documental, a serviços públicos, como saúde, assistência social, educação e a obtenção de emprego ou outras oportunidades de renda”, elencou a consultora da OIM no MigraCidades, Ana Laura Anschau. 


Mais de 900 migrantes escolheram Venâncio Aires para residir no Brasil. No total, 76 pessoas chegaram esse ano. O município possui a Casa do Imigrante de Acolhimento e Atendimentos para Imigrantes, Apátridas e Refugiados com o objetivo de garantir direitos de cidadania aos migrantes e refugiados. 


Além da acolhida e o serviço para a documentação/regularização no Brasil, são feitos encaminhamentos para as áreas da saúde, assistência social, qualificação profissional e colocação no mercado de trabalho. O município também promove atividades de integração e inclusão dos imigrantes, com a oferta de cursos de português para estrangeiros, curso de costura e grupo de mulheres. “Estamos muito felizes porque são pessoas que trabalham muito, se empenham, tem um convívio social e comunitário muito positivo, enfim, se integraram muito bem a nossa comunidade”, avaliou o prefeito de Venâncio Aires, Jarbas Daniel da Rosa. 


Migrantes e desenvolvimento - Estudos apontam que os migrantes trazem grande contribuição às economias dos países de destino. A possibilidade de escolha por uma força de trabalho plural, com diversidade linguística, pode aumentar em até 33% o desempenho financeiro de uma empresa, segundo a consultoria McKinsey. Um levantamento feito pelo Sebrae revela que no país existem 74,2 mil Microempreendedores Individuais (MEI) ativos de outras nacionalidades.


O senegalês Lansana Danfakha, 42 anos, foi um dos migrantes à procura de uma vaga de emprego no dia de atendimento preferencial para migrantes, promovido nesta sexta-feira, dia 23/06, nas agências da FGTAS/Sine no RS. A ação contou com participação da Organização Internacional para as Migrações (OIM) com atendimento multi-línguas (francês, espanhol e inglês), encaminhamento para vagas de emprego, orientações sobre os serviços públicos e auxílio na regularização migratória, e faz parte de um programa contínuo, conforme explica o presidente da FGTAS, José Scorsatto. 


Lansana chegou ao RS em 2013. Viajou de avião até o Equador, e seguiu de ônibus pelo Peru, Bolívia, ingressando no Brasil pelo Acre. A ideia inicial era seguir para Argentina, onde tinha amigos imigrantes residindo, mas foi acolhido no Centro de Atendimento de Migrantes de Caxias do Sul, acabou gostando da cidade e ficando. Somente em 2022, migrantes de mais 55 nacionalidades foram atendidos e passaram a residir na Serra Gaúcha. Formado em Engenharia Elétrica, nestes 10 anos de Brasil, fez curso de proficiência em português e curso de eletricista. “No Senegal, emigrar é parte da nossa cultura. Nós viajamos para trabalhar, conquistar bens, e depois voltar para nossa família”, conta. Com uma renda de R$ 1000, que equivale a 126 mil francos CFA, Lansana consegue sustentar a família, esposa e quatro filhos que moram em Dacar, capital do Senegal.


Pela legislação brasileira, pessoas migrantes com situação documental regular têm acesso aos mesmos direitos civis básicos que os brasileiros, inclusive à emissão da Carteira de Trabalho e Previdência Social (CTPS), abertura de conta bancária e registro como Microempreendedor Individual (MEI). Assim, estão aptas a se tornarem atores ativos no mercado de trabalho nacional.

Fluxos migratórios - No geral, a imigração no RS remete à importante contribuição dos alemães, italianos, portugueses e espanhóis, entre outros povos imigrantes do final do século XIX e início do século XX, para a identidade cultural gaúcha. No entanto, a partir de 2017, o estado tem recebido novos fluxos migratórios mais relevantes. 


Os acordos de residência Brasil/Uruguai e para nacionais dos Estados Partes do Mercosul e Países Associados estão associados ao registro de mais de 11 mil migrantes no RS. A Lei da Imigração de 2017 e a Portaria Interministerial n.12 de 2019, que trata da concessão de autorização de residência humanitária para cidadãos haitianos, são dispositivos legais que amparam e favorecem a residência de migrantes no RS. 


A partir de abril de 2018, o governo brasileiro implementou uma política de interiorização para administrar o fluxo de venezuelanos no Brasil. Somente essa estratégia no âmbito da Operação Acolhida, sua resposta humanitária, que permite às pessoas refugiadas e migrantes venezuelanas, de maneira voluntária, irem de Roraima para outros estados do Brasil, possibilitou a integração de mais de 16 mil venezuelanos no Rio Grande do Sul. 

Informações da notícia

Data de publicação: 23/06/2023

Créditos: Janis Morais

Créditos das Fotos: Janis Morais